quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A Bailarina

Não via a hora da estreia do comercial. Seria no horário nobre, e o bairro 
inteiro, aliás, a cidade inteira se tornaria um buchicho só no dia seguinte. À tarde, 
fora buscar o cachê da sua participação e, junto com as outras dançarinas, 
assistiu ao filme já editado. Faltava apenas a inserção da logomarca do produto. 
As evoluções por demais ensaiadas no estúdio e na escola de  balé que 
frequentavam ficaram perfeitas. Os passos finais, em  slow motion, culminavam 
com o salto de todas em direção à câmera. Uma das colegas,  a de perfil mais 
próprio, mais nórdico, mostra, na palma da mão, o copinho do iogurte anunciado – 
o produto disputando a tela com os sorrisos sadios das moças por breves 5 
segundos de imagem congelada. 

Às 19 horas, a janela da sala – e o próprio cômodo – estava apinhada de 
gente. Quem possuía TV em casa ouvia as reclamações de quem não possuía o 
aparelho; todos consideravam mais emocionante assistir ao comercial na casa da 
artista.

Plim Plim. Os moleques largaram as bolas de gude na réstia de barro onde 
brincavam e se enfiaram por entre as pernas dos adultos. A irmã da bailarina, na 
varanda, interrompeu o beijo e adentrou na sala arrastando o namorado pela mão. 
Os comerciais que se sucediam, mesmo os mais tolos, nunca tiveram uma plateia 
mais atenta e silenciosa. 

Começou. As moças dançavam como as cabeças dos espectadores. “Cadê 
ela?! Cadê ela?!” “Ali ó. Aquela de roupa azul.” “Mas são várias! Bem que a TV 
podia ser maior, né?”, observou um vizinho. “No final fico mais visível”, disse a 
dançarina aflita. “Psssiu!”, repreendeu a mãe. 

Para todos os 30 segundos foram eternos. Quando o balé iniciou os 
movimentos finais, a bailarina inclinou-se instintivamente para a TV. Na tela, ao 
canto superior direito, uma tarja branca como o nome do produto apareceu e foi 
escorregando em diagonal. Foi entrando... entrando... e parou, escondendo ao 
fundo seu rosto negro tão bonito.

A BAILARINA, Do escritor Afro-brasileiro Lande Onawale (Reinaldo Santana Sampaio)

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